Escrito por Victor Rebelo
"O obsessor do bar"
Anos atrás, durante alguns meses, eu freqüentei um rock bar, na Mooca. Fiz amizade com o pessoal de lá, a maioria artistas. Após tomar algumas cervejas, pegava minha gaita e me juntava aos músicos. Na verdade, eu não sei tocar gaita e estar começando a aprender, mas mesmo assim, em alguns momentos, fazíamos verdadeiras sessões de improviso. Quase todas as noites, de tanto cantar e tocar blues, ao fechar os olhos deitado em minha cama começava a escutar solos maravilhosos, sempre de blues ou jazz. Escutava melodias que ainda não tenho técnica o bastante para reproduzir, seja na gaita ou no teclado.
Foi uma época legal, de muita criatividade, mas também de alguns excessos. As emanações alcoólicas começaram a me causar algumas perturbações, tanto físicas quanto espirituais.
Certa noite, já de madrugada, me vi projetado fora do corpo na porta do bar e logo percebi o que estava ocorrendo. Próximo à entrada havia um grupo de espíritos, alguns desencarnados e outros temporariamente projetados fora do corpo, como eu. Fui me aproximando e então, vi um rapaz, de uns vinte e cinco anos, que me chamou a atenção. Ele usava barba e óculos. Não sei por que, talvez intuído por algum dos meus amigos espirituais, cheguei perto dele e fui logo reclamando:
- Você é um espírito obsessor! Está me perturbando!
Ele continuou na dele, sem nada dizer, apenas me encarando. Então continuei.
- Por que você faz isso? Por que está fazendo a turma beber até "encher a cara"?
Para meu espanto, ele respondeu com a maior naturalidade:
- Pare de ser hipócrita! Não sou eu quem faço o pessoal beber e fumar! Eles bebem e fumam porque querem, eu apenas "curto" junto... dou uma forcinha!
Foi aí que "caiu a ficha" e percebi o quanto estava sendo infantil. É claro que todos somos responsáveis pelos nossos atos, não podia responsabilizar os outros por isso. Temos que parar com esse "papo" de espírito obsessor. Então, perguntei:
- E como você faz isso?
- É simples! Quando alguém fuma, por exemplo, chego bem pertinho da pessoa, quase abraçando-a, e aspiro a fumaça ao mesmo tempo.
Enquanto explicava, foi demonstrando. A impressão que tive, quando ele aspirou a fumaça, é que o perispírito dele se justapôs ao de um jovem que tragava um cigarro naquele momento, quase que "colando".
Após essa curta conversa, voltei ao corpo físico e despertei. Rememorei bem o que ocorreu para não esquecer mais e, após uma prece de agradecimento pela lição recebida, adormeci.
Meses após este fato, parei de freqüentar este bar, retornando lá raras vezes. Ele mudou muito, não está tão legal como antes. Aquilo foi uma fase, que marcou minha vida e a de alguns amigos meus. Jamais esquecerei os momentos bacanas que curti lá, como também não esquecerei a lição de moral que aquele espírito me deu. Não me lembro de ter conversado com ele após aquele dia, apenas senti a presença dele uma ou outra vez, no estado de vigília, mesmo.
Apesar de ter perdido contato com aquele espírito, suas palavras ainda ecoam em minha mente.
Quantas vezes, numa atitude imatura, culpamos os outros pelos nossos fracassos? Quantos de nós não criamos obsessores imaginários para responsabilizarmos por nossos vícios?
Quando se fala em obsessor, logo vem à mente a imagem de um ser diabólico, malvado. Aquele espírito, que não era exatamente um obsessor, mas um co-participante dos desequilíbrios alheios, era muito inteligente e culto. Um artista e intelectual, só que desencarnado.
Precisamos nos libertar dos preconceitos e perceber que um espírito só pode nos induzir com sucesso a fazermos algo se dermos abertura mental, ou seja, se o "mal" já existir dentro de nós. Só assim amadureceremos e tomaremos as rédeas do barco da nossa vida, não permitindo que ele afundo nos momentos de tempestade.
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Ricardo Zapparoli
zapparoli@gmail.com
MSN: zappex@hotmail.com.
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